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PCSH HV1442 Ailton Krenak íntegra

00:00:04 Experiência que a gente podia agora usar o termo de integralidade… Tem autores escrevendo sobre o biocentrismo… O jeito de estar na Terra é coletivo. 00:06:22 Não caberia às grandes corporações, à prática persistente de um cultivo egoísta do solo e de uma expropriação de coisas que são comuns… Na cidade, você não precisa saber se é dia ou noite. O modo de criar ambientes artificiais já é tão consolidado que alguém pode passar dias sem prestar atenção no que está acontecendo com o céu e com a lua. 00:14:38 O “sumak kawsay” é o modo de existir de povos na Cordilheira dos Andes e permitem que uma pessoa complete o seu ciclo sem abusar de todos os outros seres… A ideia extrativista de saquear os territórios é antropocêntrica e produz o que alguns autores chamam de “capitaloceno” 00:22:48 As fontes que sustentam o cotidiano e a vida não são artificiais. Então, diante de alguma persistente presença de aparatos técnicos inventados e criados por nós uma experiência livre no espaço, se pergunta, o que é isso que vocês estão fazendo aqui? Se a gente quiser processar materiais, nós vamos deixar muita gente sem lugar para viver… E montanha não nasce outra… O nosso organismo não vai se adaptar a esse modo tecno-sustentado 00:44:33 Talvez eu devesse relativizar, a ideia de que a Terra era um organismo vivo teve o nome de Hipótese de Gaia. Ela não é uma coisa inerte que a gente pode disputar, pegar pedaço e cortar, porque vai ter uma hora que ela vai responder a essa violência. A Terra, esse organismo de tanta capacidade de doar, vai suportar o saque que a gente faz? 00:47:28 Quando nós olhamos numa perspectiva antropocêntrica, a memória é tudo que os humanos conseguem reter das suas experiências... Ela depende da centralidade do ser humano, que não carrega as outras memórias. A história das árvores, peixes e outros organismos é esquecida, enquanto a memória humana abstrai e fixa. 00:56:27 Alguém vai perguntar como é que a gente vai ampliar esse campo sensível para a gente ter contato com outras memórias que não sejam as que a gente sempre foi educado para elas. Eu costumo dizer que é aprender com a Terra. Escutar a Terra. 00:59:27 A minha experiência de estabelecer comunicação com outras memórias que não eram só aquelas que eu recebia da família… As memórias estranhas vinham da montanha… Memória é alguma coisa indescritível, por isso que a gente conta para ver se o outro se contamina com essa memória… O Takrukrak é um oráculo. Se você presta atenção no que ela está te mostrando, você começa a experimentar uma educação pela terra 01:11:54 O fogo, em todas as suas expressões, tem o fogo cotidiano que prepara a comida e o fogo se manifesta como entidade. Eu acendo o fogo no meu quintal todo dia. No período da pandemia, eu acendia todo dia como uma maneira de proteger a nossa aldeia contra o contágio. Então, ele era uma medicina. 01:24:35 Todo mundo interpelado sobre isso (a morte), mas a pergunta a ser feita é: “como você vive essa experiência?” Encantar-se em pedra, em chão, em terra, em vento, em areia, em folha, é uma metamorfose. Cada partícula que estiver pelo espaço também sou eu. Talvez seja isso que o pensamento recorrente dos humanos chama de morrer, que é deixar de ter um eu, e ser árvore, ser pedra, ser pau. 01:33:09 Uma vez eu fui convidado para escrever um programa para uma exposição no Sesc Ipiranga, que o título era Finitude. E eu me lembrei do Kuarup no Xingu, um grande evento funerário que dura um ano. A morte é ritualizada, e os vivos se reorganizam, até mudarem de nome para selar a passagem. O luto envolve toda a comunidade, com obrigações espirituais e rituais sérios, mantendo os laços mesmo após a morte. 01:53:18 Naquele maravilhoso livro do Kopenawa Yanomami, ele relata sua iniciação xamânica quando criança, sendo tocado por espíritos. O xamã, como o pajé, é um ser encantado em momentos de cura ou trabalho, mas, fora disso, é uma pessoa comum. O pajé e o xamã não vivem em transe o tempo todo; têm rotinas, mas em momentos específicos realizam seus trabalhos espirituais para a comunidade, como proteger a floresta. 02:00:56 O estado de sonhar para saber o que eu faço a cada dia sempre esteve presente na minha vida. Desde jovem, fui muito influenciado pelos meus sonhos, que guiaram minha vida e decisões. Eles me ensinaram e me curaram, moldando minha biografia. Sonho e realidade estão conectados; os sonhos ajudam a entender a realidade e trazem cura. Mesmo sem lembrança, o corpo precisa sonhar para se manter vivo. 02:14:51 A palavra e o silêncio. Em uma visita à aldeia do Rio Silveira, Carlos Papá falou sobre o poder deles. A palavra pode agir no mundo, enquanto o silêncio, encontrado na floresta, proporciona cura. Vivemos em um mundo barulhento, mas é no silêncio da floresta que encontramos descanso e libertação.